10 anos da Marcha das Mulheres Negras ganha homenagem de Mina Ribeirinha em mural selecionado pelo Museu de Arte de Rua de São Paulo
Obra destaca legado da ativista paraense Nilma Bentes idealizadora da marcha em 2015 e reforça luta por reparação e bem viver.
Em celebração aos 10 anos da Marcha das Mulheres Negras, a artista grafiteira paraense Mina Ribeirinha assina o mural “Nada Começa Quando Inicia Ou Termina Quando Acaba”, uma homenagem à intelectual, ativista e referência do movimento negro Nilma Bentes. A obra foi selecionada pelo Museu de Arte de Rua (MAR), iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo que transforma espaços públicos em galerias a céu aberto, espalhando murais e painéis pelas cinco regiões da cidade.
O mural, que integra uma das mais importantes plataformas de arte urbana do país, ressalta a potência de Nilma Bentes como fonte de conhecimento, memória e luta coletiva. A artista Mina Ribeirinha constrói, através da estética amazônida e de sua pesquisa visual sobre mulheres negras, um tributo que dialoga com a trajetória de enfrentamento ao racismo, de defesa dos territórios e de construção de bem viver.
Em 2025, a Marcha das Mulheres Negras volta às ruas em um ato político pacífico de união com o tema “Por Reparação e Bem Viver”. A obra dialoga diretamente com esse marco histórico, lembrando que a caminhada iniciada em 2015 segue viva e expansiva. Como ensinado por Nilma Bentes, “a sabença que adquirimos nas vivências se concretizou como base para impulsionar conquistas”.
Mesmo após uma década da primeira Marcha, as mulheres negras continuam no centro das piores estatísticas do país: da violência ao mercado de trabalho, da falta de acesso a políticas públicas ao racismo ambiental. A homenagem reafirma que arte também é instrumento de mobilização, denúncia e fortalecimento comunitário.
Ao retratar Nilma Bentes, a artista busca fomentar a presença das artes visuais negras na cidade, ampliando o reconhecimento de lideranças que transformaram o Brasil e democratizando o acesso à memória do movimento para jovens, crianças e toda a população. O mural “Nada Começa Quando Inicia Ou Termina Quando Acaba” se torna, assim, parte de um território simbólico de luta e afeto, conectando Amazônia, São Paulo e todas as mulheres negras que seguem em marcha, construindo caminhos de reparação, justiça e bem viver.
A artista Mina Ribeirinha compartilha que toda a criação do mural nasce de um sentimento profundo de continuidade histórica e espiritual. “Minha inspiração está na frase cunhada por Nilma: ‘Nada começa quando inicia ou termina quando acaba’. Esta citação poderosa nos atravessa e, para mim, é como um chamado que ressoa junto com o tema da marcha este ano, Por Reparação e Bem Viver, remetendo à continuidade de nossos passos, oralidade, empoderamento, união e luta”, afirma.
Para Mina, o mural destaca que a Marcha das Mulheres Negras é um processo permanente: “A frase de Nilma Bentes é profundamente inspiradora e carrega um significado poderoso sobre a continuidade da luta e da resistência. Ela ressalta que a marcha é um processo contínuo, que não se limita a um evento específico que acontece em um único dia; representa um movimento constante em busca de justiça e igualdade.” A artista posicionou a frase no topo do painel como homenagem e como afirmação da importância de celebrar e reconhecer nossas referências enquanto estão em vida.
No mural, a artista também insere elementos visuais que dialogam com a ancestralidade e com as tecnologias de sobrevivência criadas pelos povos africanos e afro-diaspóricos, símbolos que ampliam a dimensão pedagógica e espiritual da obra, conectando passado, presente e futuro da luta das mulheres negras no Brasil.

A composição visual do mural também reforça a ideia de continuidade histórica e movimento político. Mina Ribeirinha explica que criou “uma imagem na lateral direita que simboliza o movimento contínuo, como uma estrada que se estende pelo mural, representando a jornada das mulheres negras.” No primeiro plano, aparece a homenageada Nilma Bentes, de cabeça erguida e olhar firme voltado para o futuro. No colete — peça marcante de sua identidade visual — a artista incorpora o adinkra Akofena, símbolo de coragem, força e liderança. Já a camisa vermelha faz referência a Xangô, orixá patrono do CEDENPA (Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará), organização da qual Nilma é fundadora, remetendo à justiça. No peito, o adinkra Aya, que significa “samambaia”, simboliza perseverança e a capacidade de superar desafios — valores profundamente associados à trajetória de Nilma.
No segundo plano, surgem três mulheres negras representadas em tons distintos de cinza, reforçando a diversidade geracional e a continuidade entre passado, presente e futuro. A criança veste rosa — cor associada a Iansã, mas que também pode remeter a Oxum, orixá do amor — e traz no peito o adinkra Sankofa, símbolo do aprendizado que se busca no passado para construir o futuro. A mulher anciã veste uma bata laranja, cor ligada a Iansã, e carrega o adinkra Duafe, que representa beleza, cuidado e virtudes femininas. A jovem usa estampa de onça em tons de verde e azul, cores associadas a Oxóssi, evocando floresta, vida e abundância. As três aparecem com o punho cerrado, símbolo de solidariedade e resistência coletiva.
Voltadas para o sol — sinal de esperança, renascimento e força para seguir — as personagens se posicionam diante da imagem da Praça dos Três Poderes, em Brasília, localizada ao fundo do mural. A cena simboliza o objetivo político que inspira o movimento: conduzir um milhão de mulheres negras em marcha por todo o Brasil até Brasília, em defesa da reparação histórica, da justiça racial e do bem viver.
A obra, que foi executada em técnica de graffiti com tinta spray e tinta acrílica de alta performance sobre concreto, garantindo durabilidade e resistência ao tempo e reafirma a arte urbana como expressão política, campo de democratização cultural e espaço de representatividade para mulheres negras. O mural busca disseminar a imagem, a força e o legado das conquistas das mulheres negras brasileiras, homenageando as mais velhas em vida e destacando o protagonismo de Nilma Bentes, mulher negra nortista responsável pela proposta que deu origem à histórica 1ª Marcha das Mulheres Negras em 2015. A intervenção será realizada no CEU Inácio Monteiro, em Cidade Tiradentes, São Paulo, ocupando uma área de 109 m².
A Homenageada
Raimunda Nilma de Melo Bentes, conhecida como Nilma Bentes, é uma das mais importantes referências do movimento negro brasileiro. Ativista paraense, militante histórica e graduada em engenharia agronômica, Nilma é uma das fundadoras do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA). Aos 77 anos, vive em Belém e segue atuante em formações, palestras, rodas de conversa e nas programações do CEDENPA, além de contribuir com a coletiva Pretas Paridas de Amazônia, da qual a artista também faz parte. Sua trajetória marcou profundamente o feminismo negro amazônico e nacional, sendo uma das responsáveis por incorporar o conceito de bem viver como bandeira política das mulheres negras. Visionária, Nilma foi quem propôs a realização da Marcha das Mulheres Negras, que reuniu cerca de 50 mil mulheres em Brasília, em 2015, tornando-se um marco histórico de mobilização, afeto e resistência.
Este projeto foi realizado com recursos financeiros do Projeto MAR – Museu de Arte de Rua pela Secretaria Municipal de Cultura – SP e com produção da Seiva Cultural.
A artista Mina Ribeirinha
Natural de Belém do Pará, Mina Ribeirinha é graffiteira, artista visual, ilustradora, produtora e arte-educadora com uma carreira que se estende desde 1999. Ao longo de quase 20 anos de trajetória, Mina utiliza o graffiti como um poderoso canal de expressão política e social, abordando questões raciais e celebrando a cultura afro-amazônica por meio de uma perspectiva afrofuturista e afrodiaspórica. Sua arte se conecta profundamente com a militância e o engajamento das comunidades periféricas, centros urbanos e quilombos do Estado do Pará.
Mina também é fundadora e empreendedora da Tinta Preta, a primeira produtora de arte urbana da Amazônia. A Tinta Preta oferece uma gama de produtos e serviços, incluindo moda afro-urbana amazônica, produção executiva de obras públicas de graffiti em diversas dimensões, além de curadoria de artistas locais e nacionais. A artista é uma das criadoras do projeto Bengola em Cores, que transforma o bairro do Benguí, em Belém (PA), em um espaço de arte e cultura, ampliando o acesso à arte urbana e promovendo a valorização das raízes culturais da região.
SERVIÇO
Apresentação do mural: Graffiti “Nada Começa Quando Inicia Ou Termina Quando Acaba”, uma homenagem à intelectual, ativista e referência do movimento negro Nilma Bentes” por Mina Ribeirinha
Data de finalização da obra: 24/11/2005
Local: Centro de Educação Unificado (CEU) Inácio Monteiro, localizado no bairro de mesmo nome, que faz parte do distrito de Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo.
Redação: Tainá Barral, Na Cuia